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Mayara Ferrão

Mayara Ferrão (1993, Salvador — Bahia) é artista visual, bacharela em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia. Cofundadora do Estúdio criativo e Selo musical GANA, fundado em 2018 na cidade de Salvador. Seu processo de múltiplas experimentações artísticas caracteriza-se principalmente pela ilustração (@verdadetropical) e fotografia, atuando também como diretora criativa e realizadora audiovisual. Se apropria da tecnologia de vídeo para imaginar e construir narrativas negras através de videoarte, videoclipe e documental. Sua vivência enquanto mulher negra, a ancestralidade, signos e elementos da cultura afro-brasileira são a principal fonte de inspiração e pesquisa base da artista.

Ao abordar o processo criativo das ilustrações criadas para o Acervo Ibirapitanga, a artista começa com um agradecimento: “Inicio este texto agradecendo a todas as entidades e forças que regem o meu Orí. Adupé. Agradeço imensamente ao Instituto Ibirapitanga e à toda equipe pela confiança depositada no convite. Agradeço pelo acolhimento, pela escuta ativa e pelo compromisso político em pautar questões tão urgentes. É uma grande satisfação para mim enquanto mulher negra, artista e baiana, poder compor o acervo do Instituto com a minha visão estética e conceitual.”

Em seguida ela conta mais detalhes sobre a realização de cada ilustração: “Durante a feitura das ilustrações para a newsletter de maio de 2021 do Ibirapitanga, que abordou como o frágil processo de Abolição da Escravatura repercute ainda hoje em nossos corpos, eu meditei muito, senti muito, pedi orientação divina por entender a minha responsabilidade em ilustrar essa pauta. Fui conduzida ao mar de forma muito incisiva durante o processo mesmo sem vê-lo há meses, devido ao caos pandêmico.

Me conectei com as profundezas. Com as zonas abissais, com o breu, com o frio, com o vazio. Só via a noite e muita água. Fui tomada por pensamentos atlânticos. Pelo desassossego das travessias, pelo desassossego dos corpos lançados ao mar, deixados ali para morrer. Essa guiança tortuosa me conduziu à figura de Olokun. Soberana. Senhora dos oceanos, dona dos mistérios das profundezas. Eu sou uma mulher de fé. E entendendo a importância do mar para o fundamento do Candomblé. Eu me questionei: esse mesmo mar que ora afoga, afinal não é o mesmo que nos afaga? Imaginei Olokun recebendo essas almas e as confortando em seu seio materno.

Entre muito banzo e incertezas, eu me ancoro na fé, na ancestralidade viva que nos mantém firmes até hoje, que torna possível que eu esteja aqui escrevendo para vocês. Eu desejei representar corpos negros para além do mar de dor e revolta, do trauma colonial, do vazio, do rasgo no peito do racismo, por achar importante também reverenciar um lugar de esperança dentro das nossas narrativas negras. Que as nossas pautas não fiquem sempre no lugar do sofrimento. Somos força e resistência, mas queremos sonhar também. Queremos erguer as mãos para o céu para agradecer por bons ventos, não só para lamentar. Eu reverencio todas e todos que vieram antes de mim.

Para a newsletter de julho de 2021, o mês em que comemora-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, o propósito era pensar sobre o paradoxo da posição das mulheres negras: importantes protagonistas das transformações sociais, mas ainda sujeitas à intersecção de múltiplas violências.

É uma discussão presente na minha trajetória. Enquanto mulher negra, reflito sobre como somos vistas pela sociedade e onde somos colocadas. Discuto muito sobre essa ideia de que ocupamos a base da pirâmide social e econômica. Estamos abaixo de todes, mas somos nós quem sustentamos todas as elevações e camadas. Somos nós o combustível que possibilita que toda a engrenagem funcione.

Já dizia Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. E a inspiração imagética foi essa. Eu rememorei aos ancestrais que construíram esse solo pra que a gente se plante, floresça e se desenvolva. Quis representar essa mulher que mesmo enquanto repousa, traz uma carga no seu corpo e mente. Uma carga que não é necessariamente negativa em sua totalidade, mas sim uma evidência da carga espiritual, social e política de ser uma mulher negra.

O peso atribuído às nossas raízes, à nossa consciência, à nossa força e sabedoria. O peso da responsabilidade em orquestrar tantas funções numa sociedade que desvalida a nossa existência e o nosso valor. Plantas que nascem a partir desse corpo, que nutrem um ecossistema inteiro. São raízes fincadas em solo feminino e preto. É uma ode à força feminina, à guerreira dentro de cada uma de nós.”