Fome no Brasil atinge 33,1 milhões de pessoas em 2022

Pesquisa realizada pela Rede PENSSAN, com apoio do Instituto Ibirapitanga, mostra que só 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação

A escalada da fome no Brasil revela números ainda mais preocupantes, em permanente e rápida ascensão. Em 2022, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer. No final de 2020, 9% dos domicílios brasileiros com seus moradores passavam fome. Em pouco mais de um ano, esse percentual chegou a 15,5%. São 14 milhões de novas/os brasileiras/os em situação de fome. É o que revela o 2º Inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil, lançado nesta quarta-feira, 8 de junho. A edição recente da pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com algum grau de insegurança alimentar – leve, moderado ou grave (fome). O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.

A pesquisa é realizada pela Rede PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, constituída por pesquisadores, professores, estudantes e profissionais, e executada pelo Instituto Vox Populi. A iniciativa contou também com apoio e parceria de Instituto Ibirapitanga, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Oxfam Brasil e Sesc. O estudo completo pode ser acessado na página da campanha de divulgação da pesquisa – Olhe para a fome.

As estatísticas foram coletadas entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. Como no 1º Inquérito, a segurança alimentar e a insegurança alimentar foram medidas pela Ebia – Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, também utilizada pelo IBGE.

“A publicação da pesquisa reforça a importância da produção de dados atualizados e confiáveis para informar políticas e programas de combate à fome. Em 2022, ano de eleições, esta iniciativa também deve servir como ferramenta para que as agendas das candidaturas favoreçam a construção de políticas públicas orientadas a assegurar a oferta de alimentos de qualidade, combatendo simultaneamente a fome e as doenças produzidas por uma alimentação inadequada”, afirma Andre Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga. Para ele, “em tempos de franca crise socioambiental, a fome deve ser enfrentada com base em sua multifatorialidade, abordando as transformações dos sistemas alimentares para a redução de impactos sobre as mudanças climáticas, para o cuidado com a saúde das pessoas, para uma economia sustentável e, finalmente, pela construção de relações sociais justas e equitativas”.

Acesse olheparaafome.com.br e baixe o relatório completo da pesquisa.

O ano que temos pela frente

Este que começou será um ano decisivo para o Brasil. Novos e velhos desafios se somam, tornando mais difícil a necessária renovação de esperanças para 2022. A persistência da pandemia ainda turva a luz no fim do túnel e amplia as incertezas sobre como será a vida pós-pandemia. No campo político, as eleições se aproximam, com alguma confiança sobre a sua realização, mas com seu desfecho bastante em aberto.

Para o Ibirapitanga, as transformações no contexto produziram um deslocamento dos seus dois focos de atuação – equidade racial e alimentação – para o centro do debate público, ao mesmo tempo em que aprofundaram os desafios em ambos os campos. Tanto em um como no outro, questões que poderiam ser consideradas superadas passaram a exigir novas afirmações contundentes. Para citar as mais evidentes, que o Brasil se vê diante do retorno da fome como problema estrutural e que há racismo no país – e que racismo reverso não existe. Um passo para frente e dois para trás.

Em 2022, o Ibirapitanga segue com seus compromissos de contribuir com a construção de sistemas alimentares justos, saudáveis e sustentáveis e de apoiar iniciativas de combate ao racismo. O trabalho relacionado a esses campos tem evidenciado a importância de pensar a interação e o cruzamento entre as questões alimentar e racial. Algumas dimensões são mais nítidas, como o impacto desigual do aumento da insegurança alimentar grave sobre a população negra, mas outras exigem uma reflexão mais aprofundada a partir dos princípios que devem orientar as transformações dos sistemas alimentares e dependem da construção de abordagens decoloniais sobre a nossa relação com os alimentos.

O trabalho do Instituto tem como estratégia central a contribuição para o fortalecimento de um ecossistema de organizações e movimentos. Mais do que construir intervenções pontuais, o Ibirapitanga busca fortalecer a capacidade das organizações em incidir e transformar a realidade na qual estão inseridas. Isso exige flexibilidade nos apoios e perspectiva de longo prazo. No entanto, cada uma das áreas apresenta desafios e contextos específicos em 2022.

O contexto eleitoral explicita a dimensão da desigualdade na representação política entre brancos e negros/indígenas. Ao mesmo tempo, traz uma oportunidade de organizar esforços por parte da sociedade no sentido de fortalecer candidaturas negras comprometidas com o combate ao racismo, buscando canalizar uma possível mobilização em torno do tema para ações concretas de redução de desigualdades.

Nestas eleições, o tema da fome deve mobilizar discursos e posicionamentos, valendo-se das experiências acumuladas de redução da insegurança alimentar de governos passados. Mas a disputa pelo futuro da alimentação deve considerar seus impactos sobre a saúde das pessoas e as mudanças climáticas. Neste sentido, a urgência do enfrentamento à fome não deve limitar a capacidade de construir sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis no futuro.

Esse é um ano, ainda, em que uma das mais importantes conquistas do movimento negro, traduzida na Lei de Cotas para o acesso à universidade, de 2012, passa por um processo de revisão e exige da sociedade um posicionamento em favor da continuidade de uma política que produziu inúmeros avanços, contribuindo para desarticular uma das principais faces do racismo estrutural.

O Ibirapitanga agradece a todas as pessoas e instituições que estiveram ao nosso lado e deseja força e coragem para o ano que começou.

Andre Degenszajn